quinta-feira, 31 de julho de 2008

Por Iara de Macedo Menezes

“Muito tendes honrado, Senhor, os vossos amigos; muito fortaleces o seu poder.” (Da missa de São Judas Tadeu)


28 de outubro de 1981
Festa de São Judas Tadeu


Hoje, não sei por que, senti-me na obrigação de colocar por escrito a historia de minha devoção por São Judas Tadeu, que começou por irreverente desafio.

O Santo deu uma pronta resposta a minha insensibilidade aos seus constantes chamados para ser sua devota.

Quando Rachel Rocha Miranda falou-me de São Judas Tadeu, creio que foi o principio de tudo.

Naquela época, eu morava no apartamento térreo da Casa Rosada, no Lido (bairro do Rio de Janeiro), em frente à praça, e minha sogra ocupava o terceiro andar do mesmo edifício.

Todas as noites, após o jantar, nos reuníamos em casa de alguns amigos, para um bate-papo. Grandes amigos, esses, que são ate hoje, decorridos tantos anos.

Tais encontros eram informais, sem comida, sem bebida, havia, no entanto, muita alegria, muito riso descontraído. João contava suas anedotas, era o animador daquelas saudosas noites.

Certa vez a reunião deveria ser na minha casa, mas, como a noite estava muito linda, resolvemos dar um passeio pelas praias. Íamos três casais: Maria Helena e Mario Rodrigues Pereira, Rachel e Helio Rocha Miranda, eu e João. Maria Helena e Rachel são irmãs.

Eu ia no carro com Rachel e, durante a conversa, ela me falou de sua devoção a São Judas Tadeu e disse-me que ele era tido como o Santo das coisas impossíveis.

Ouvindo o que ela me contava disse irreverentemente:

- “Ah! Só acreditarei se ele me der uma casa!”.

Disse isso por dizer, porque embora estivesse começando a vida e já com três filhos nunca pensei muito no futuro; gostava de viver o dia-a-dia e estava muito feliz no meu apartamento alugado.

Terminado o passeio a conversa foi esquecida.

Algum tempo se passou, um ano, talvez, estávamos em Petrópolis, passando o verão. João que estava no Rio de Janeiro telefonou-me para que viesse a fim de ver uma casa de um amigo dele, que estava a venda, na Rua Redentor, 143, em Ipanema.

Chegando ao Rio de Janeiro, dirigi-me ao endereço dado e, ao me aproximar do portão, vi uma moca lindíssima; vinha da praia com uma toalha enrolada na cabeça, parecia uma figura de Tanagra; muito queimada de sol, com uns dentes lindos e brancos como nunca havia visto. Nena era o seu nome. Dirigi-me a ela e disse o motivo por que estava ali. Ela ficou indecisa e alegou que não estava preparada para mostrar a casa, mas insisti, dizendo que havia descido de Petrópolis só pra ver a casa. Ela cedeu e me deixou entrar. Mandou uma empregada portuguesa me mostrar todas as dependências. Fui informada que a casa fora construída em 1939, há três anos.

Era tudo o que eu poderia desejar, a comodidade necessária para minha família, bonita, bem construída, num local maravilhoso. Fiquei encantada e, de lá mesmo, telefonei para João, dando-lhe a minha impressão.

Um detalhe me chamou a atenção, no ultimo quarto da casa havia um nicho vazio.

João providenciou tudo e, no mesmo dia, o negocio foi fechado.

Para mim parecia um sonho, tudo aconteceu muito rápido.

Nena adorava a casa e não queria vender, mas seu marido, Magalhães, assim ela o chamava, era mais velho do que ela vinte anos, e que estava interessado na venda. Eram portugueses, não tinham filhos, mas criavam uma sobrinha que na ocasião tinha 15 anos. Eles constituíam um casal muito feliz. Por isso mesmo, ele, preocupado em deixá-la bem, queria, com o dinheiro da casa, construir um edifício de apartamentos, com 5 andares, na Rua Barão da Torre, em Ipanema, onde já possuíam um grande terreno. Mais tarde, o edifício foi construído e eles ocuparam a cobertura.

Magalhães trabalhava com o velho Seabra, industrial. Era um homem corretíssimo e, para não faltar a palavra dada, mudou-se para um hotel e, dentro de um mês, a casa foi entregue. Tudo em ordem, limpissima e ate com uma cortina de veludo em uma pequena porta.

João deu o sinal exigido para a compra e começou a providenciar o restante, através de um empréstimo na Sul América. As exigências foram tantas que João começou a perder a paciência. Nessa altura chegou de São Paulo um grande amigo nosso Alexandre Zirlis; era um judeu muito católico. Sabedor do que estava acontecendo, prontificou-se a emprestar o dinheiro que João pagaria quando pudesse.

Em pouco tempo estava tudo pago.

Nem por um minuto, sequer, lembrei-me de meu desafio a São Judas Tadeu.

- “Ah! Ah! Só acreditarei se ele me der uma casa!”.

Acho que não foi um desafio, mas sim, palavras soltas, ditas sem pensar, porque, de fato, naquela ocasião, era impossível a compra de uma casa e, como eu disse anteriormente, isso não me preocupava muito.

Afinal, mudamos para a nova casa. Carlos Alberto que era o caçula tinha 1 ano.

Minha vida continuou calma e feliz.

Sempre fui muito religiosa, filha de Maria e, desde muito cedo, nunca deixei de ir a missa aos domingos e João também. Mas as minhas orações eram dirigidas ao Sagrado Coração de Jesus, talvez por influencia do Colégio Sacre-Coeur onde estudei. Nunca tive devoção especial a qualquer santo.

Algum tempo se passou. Eu já morava em Ipanema e, como de costume, fui à missa na igreja N. S. da Paz. Estava ajoelhada, quando aproximou-se de mim uma senhora com um livrinho na mão e perguntou-me: - “A senhora conhece São Judas Tadeu?....” Surpreendida com a pergunta, respondi-lhe: - Não. Ela entregou-me o livrinho, dizendo que ali estava toda a vida do santo e afastou-se. Folheei o pequeno livro, li algumas paginas, fechei e coloquei-o na minha bolsa e esqueci o fato.

Após alguns meses, tendo ido almoçar com D. Amanda, minha sogra, fui à igreja N. S. de Copacabana, na Praça Serzedelo Correia, para participar da missa. Ajoelhei-me para rezar e fui interrompida por uma senhora que indagou: - “A senhora conhece São Judas Tadeu?” Sem me dar tempo de responder, apontando para uma imagem no altar a minha direita, continuou: - “ E aquele ali”. Falou e partiu. Eu me limitei a ouvir o que me disse, olhei a imagem e não pensei mais no caso.

Passados dois anos que a casa era minha, dois anos, portanto, que São Judas Tadeu esperava minha resposta, a minha gratidão. Chamou-me duas vezes e eu cega e surda ao seu chamado permanecia indiferente.

Veio então à advertência, uma chamada mais forte: - “Filha, por que não me ouves?”...

Estávamos em junho de 1943, em plena guerra mundial.

Uma noite acordei com Carlos Alberto chorando. Ele dormia no quarto ao lado do meu. Levantei-me, tomei-o ao colo para levá-lo ao banheiro, quando encostei o rosto dele ao meu, achei-o muito quente. Procurei o termômetro, coloquei e verifiquei que o menino estava com 40 graus de febre. Inquieta dei os remédios habituais e fiquei observando. Pela manha a temperatura continuava a mesma. Chamei o Dr. Martinho da Rocha, nosso querido amigo e pediatra de meus quatro filhos.

O medico chegou, diagnosticou uma infecção intestinal e prescreveu a medicação necessária.

Tentei justificar a doença de Carlos Alberto; afinal estávamos em guerra, com dificuldades de alimentação, principalmente a carne que era congelada e de ma qualidade.

Durante todo o dia apliquei os remédios, dei banhos e meu filho não apresentou nenhuma melhora.

Ate então, nunca tinha visto um filho tão doente; Carlos passava todo o tempo dormindo e gemendo, não se mexia nem abria os olhos. Comecei a temer que fosse algo mais grave.

Rosa Maria, casada a pouco tempo, morava ao lado de minha casa e gostava muito de Carlos Alberto. Quando foi embora disse estar muito preocupada com o seu querido “Pinduca”, como sempre o chamava.

Eram onze horas da noite, o menino não havia melhorado. Voltei a ligar para o Dr. Martinho; ele receitou uma injeção e outro remédio por via oral. A febre opilava entre 39 e 40 graus. Dei um banho no menino enquanto João ia buscar o remédio, e logo que chegou, aplicamos a injeção e tentamos dar o remédio. Carlos começou a se agitar, virou os olhos, o corpo em arco para trás; no primeiro momento pensei que ele estivesse morrendo, mas lembrei-me de haver lido no livro do Dr. Martinho as terríveis características da convulsão e lembrava-me vagamente que se deveria, no caso, aplicar o banho. Corremos para o banheiro; a banheira ainda estava cheia do ultimo banho; a noite estava fria e a água gelada. Mergulhamos Carlos Alberto com roupa e tudo. O importante, porem, não fizemos, que seria molhar a cabeça, por isso o menino não melhorava. Deixei-o com o pai, corri ao telefone para falar novamente com o medico.
No auge do meu desespero, lembrei-me de São Judas Tadeu. Então, pedi que ele salvasse meu filho e eu seria sua devota, compraria uma imagem e o veneraria durante toda a minha vida.

Chegando ao telefone, disse ao medico que o menino parecia acometido de uma convulsão. Dr. Martinho disse e repetiu varias vezes: “Água fria na cabeça e saco quente nos pés.” Ao mesmo tempo prometia vir imediatamente a minha casa, dependendo, apenas, da condução, que, naquela época de guerra, era dificílima, por falta de gasolina.

O importante e que recorri a São Judas Tadeu...

Voltando, vi que João, na sua imensa aflição, havia mergulhado a cabeça de Carlos Alberto na água o que provocou um imediato relaxamento dos nervos do menino; outro fato curioso se verificou: Rosa Maria, percebendo o movimento lá em casa, chegou com um saco de água fervendo e subiu com Luisa, a baba das crianças. Ao mesmo tempo, chegava Dr. Martinho, afirmando ter conseguido “milagrosamente” um táxi e que, para não perder tempo, ate trajava uma capa impermeável sobre o pijama.

A roupinha que Carlos vestia, lembro-me bem, era um sweater verde, por cima do pijaminho, e foi cortada para evitar que ele se mexesse, o que era perigoso. Levei-o para meu quarto; o medico o examinou, verificando que o pulso estava abaixo do normal; mandou comprar um remédio que ele mesmo procurou dar, porque o menino estava com os dentes cerrados. Durante duas horas, o dedicado medico não se afastou de meu filho e, antes de ir embora, recomendou conservar o doentinho no escuro, sem barulho algum, e enrolado num cobertor, e que o remédio deveria ser dado de 2 em 2 horas.

Ao voltar pela manha, notando que o quadro não mudara, mandou que fosse feita uma punção na espinha, para sua tranqüilidade de consciência. Foi chamado um especialista que, no momento não pode atender, só poderia vir à tarde.

Às 10 horas da manha, Carlos Alberto abriu os olhos, chamou mamãe; parecia não ver nem ouvir, olhava tudo vagamente. O pai, profundamente abalado, chorava, julgando perdido o seu “Pinduca”. Reuni todas as minhas forcas para consolar João dizendo: - “Se for da vontade de Deus, temos que aceitar.” Eu estava arrasada, uma imensa dor me martirizava interiormente. Mas era preciso resistir.

Sempre que tenho um conflito interior, há uma forca dentro de mim que vence a minha fraqueza. Hoje, porem, não tenho tanta resistência, meu lado forte já não esta tão forte.

Creio, no entanto, que pela minha família ainda arranjarei forcas, se for preciso ampará-la. Minha família não se compõe só de meu marido e meus filhos, mas noras, netos, cunhados, irmãos, sobrinhos, primos, afilhados, madrinha, empregados e amigos, que ainda são muitos.

Sem toda essa gente, ninguém conservara forcas e, principalmente a fé: A certeza de um Deus bondoso. A certeza de que este mundo e um caminho muito feliz se procuramos ouvir e entender os ensinamentos de Jesus.

A vida e sempre uma vitória. Nas batalhas da vida, quando ganhamos, e alegria, felicidade, e vitória. Quando perdemos, e sofrimento aqui na terra, e vitória no Céu. Logo, ganhamos sempre.

Continuemos a minha historia.

Chegando ao consultório, Dr. Martinho disse a sua dedicada enfermeira: - “Acho que o meu amigo João vai perder seu filho”.

Na minha casa o quadro mudava. Depois das 10 horas, quando Carlos Alberto abriu pela primeira vez os olhos, seu estado foi rápida e gradativamente melhorando.

Quando chegaram algumas pessoas de nossa família, como mamãe e depois Luiz, irmão de João, com a família, todos acharam que nos tínhamos exagerado.

Às 4 horas da tarde, mais ou menos, quando o medico chegou para fazer a punção, Carlos Alberto pulava em cima da cama, completamente bom. Nada mais foi preciso.

Hoje, voltando meus pensamentos aqueles dias, reflito e estou convicta de que, no momento exato em que pensei em São Judas Tadeu e atendi ao seu chamado, os acontecimentos mudaram: desde a hora em que João mergulhou a cabeça do menino na água e que Rosa Maria trouxe o saco de água quente, sem lhe ter sido pedido; a rápida chegada do Dr. Martinho; mesmo a impossibilidade de o medico fazer a punção, pela manha, apesar de meus insistentes pedidos. Foi uma seqüência de fatos, aparentemente sem importância, que se sucederam, para culminar com o total e surpreendente restabelecimento de Carlos Alberto.

Sábado pela manha, Dr. Martinho da Rocha, antes de ir para Correias, onde passava o fim de semana, foi a minha casa. Quis apenas ver o menino, para viajar tranqüilo. Na hora da saída, bastante comovida, disse que não sabia como agradecer-lhe e ele me respondeu: - “Agradeça a Deus”. Coisa que nunca havia dito e que não tornaria a dizer.

Na segunda-feira, sai para procurar uma imagem e, assim, cumprir a minha promessa a São Judas Tadeu. Fui a diversas lojas de artigos religiosos, mas as imagens eram feias, não correspondiam aquilo que eu desejava. Um pouco desanimada, fui a ultima loja, disposta a adquirir a imagem que encontrasse. Mostraram-me algumas iguais àquelas que eu já havia recusado. Vendo que eu não estava gostando, o vendedor disse-me: - “Temos aqui uma imagem que nos foi encomendada, há muito tempo, por uma senhora, que, ate hoje, não veio buscá-la. E esculpida em madeira, com pedrinhas incrustadas, e muito cara, custa 500 mil cruzeiros”. Vi e gostei; era justamente o que eu queria e, feliz, trouxe-a para casa. Coloquei, então, naquele nicho que vazio estava quando comprei a casa, e continuava vazio. Parecia que tinha sido feito para aquela imagem.

Para contar a infinidade de graças e milagres recebidos, teria de escrever toda a minha historia.

O que aqui relato já foi repetido muitas vezes a minha família, meus amigos e conhecidos. Deixo, agora, por escrito como um testemunho do elo existente entre a pessoa humana e a eternidade.

Sempre tive fé, pois recebi de meus pais o conhecimento ao desconhecido, isto é, o conhecimento pela fé. Agradeço as queridas Madres do Sacre Coeur de Jesus os maravilhosos ensinamentos que aperfeiçoaram a minha formação.

A fé e a oração nos aproxima de Deus. E é o próprio Deus que nos da à graça de nos tornarmos sensíveis aos seus apelos.

“Os seres serão vazios e mutilados, se não forem janelas ou clarabóias abertas para Deus”. Diz Saint-Exupery, esta frase vale como um tratado de psicologia e felicidade.

A preciosa imagem de São Judas Tadeu será de Carlos Alberto por ter sido ele o intermediário entre mim e o poderoso Santo e que meu filho nunca se esqueça do valor dessa imagem, conservando-a com amor e cuidado, como se conserva um tesouro de graças.
AGRADECIMENTOS

A memória de meus pais,
Pela fé que me transmitiram, pelo exemplo de honestidade, de trabalho e retidão de caráter, enfim, pela família que construíram.

As minhas irmãs,
Pela nossa união fraterna e inabalável.

Ao meu irmão Áureo,
Pela generosidade, integridade moral, desprendimento e grande bondade. Ao homem, ao irmão e ao medico, a minha profunda gratidão.

A João, meu marido,
Pelo grande amor que nos deu nesses cinqüenta anos em família.

Aos meus filhos e noras,
Por serem os filhos que são.

Ao meu adorado filho Paulo Cezar,
A lembrança e a saudade que nos deixou.

Aos meus netos,
André, Thomaz, Christiana, Eric, Carlos Fernando, Gabriela, Amanda, João Pedro e Daniel, pelas alegrias que nos proporcionaram. Peco para vocês as bênçãos de S. Judas Tadeu.

A Rachel Rocha Miranda, hoje Rachel Suquerman, por ter sido a primeira pessoa que me falou em S. Judas Tadeu.

A minha madrinha,
Que silenciosamente sempre me acompanhou, nas alegrias e tristezas de minha vida, com suas fervorosas orações.

A Rosa Maria, amiga muito especial,
Pelo amor e bondade que transbordaram do seu coração.

A todos os meus amigos e amigas,
Pelo convívio de tantos anos, pela palavra carinhosa e pelo gesto fraterno em todos os momentos de minha vida.

Aqueles que servem com dedicação,
Meus antigos e atuais empregados e fieis colaboradores, especialmente Maria Ana, que, trabalhando há tantos anos para minha família, hoje e uma presença muito importante no meio de nos.

Este e o meu mundo, no qual a minha historia aconteceu.
A Autora